A resposta da caserna

Em evento online do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, Pujol subiu o tom no recado que mandou ao Planalto: “não só as tropas não querem fazer parte da política, assim como não querem deixar que ela entre nos quartéis”. Na Escola Superior de Guerra, ele enfatizou: “o Exército é uma instituição de Estado, e não de governo. Uma instituição cujo compromisso é com a Constituição”.
TNM/Antonio Carlos Prado

Explica-se, assim, porque vez ou outra é necessário que lhe digam obviedades — e com todas as letras. Foi o que fez o comandante do Exército, general Edson Pujol, quando decidiu falar publicamente daquilo que altas patentes já tratam nos quartéis.

Em evento online do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, Pujol subiu o tom no recado que mandou ao Planalto: “não só as tropas não querem fazer parte da política, assim como não querem deixar que ela entre nos quartéis”. Na Escola Superior de Guerra, ele enfatizou: “o Exército é uma instituição de Estado, e não de governo. Uma instituição cujo compromisso é com a Constituição”.

O alto comando militar alerta, assim, que está cansado dos desmandos de um Bolsonaro-presidente que não perde chance de lembrar de forma ameaçadora que é o comandante em chefe das Forças Armadas; que está cansado dos desmandos de um Bolsonaro-capitão que desprestigia o seu vice-general, Hamilton Mourão; que está cansado dos desmandos de um Bolsonaro-alucinado que declarou guerra aos EUA na questão da Amazônia, provocando a ridicularização das Forças Armadas. Bolsonaro acha que elas existem para servi-lo em suas idiossincrasias? Pois bem, Pujol lhe abriu a Carta Magna.

E o que diz a Constituição? Diz ela (e não com meias palavras, viu capitão?) que cabe às Forças Armadas garantirem a manutenção e o funcionamento das instituições democráticas e do Estado de Direito — ou seja, esse artigo constitucional, de número 142, não dá ao mandatário carta branca para aventuras. Além das ponderações de Pujol, viu-se ainda, nos últimos dias, um fato inédito a mostrar o descontentamento dos quarteis com o presidente. Trata-se de uma nota assinada pelos comandantes do Exército, da Marinha e Aeronáutica, tendo a chancela do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Traça uma fronteira clara entre governo e as três Armas.

O documento defende, ainda, as ações de proteção à região Amazônica, fator maior de críticas ao País no plano internacional, críticas que se acentuarão com a vitória do democrata Joe Biden nas eleições presidenciais dos EUA.© Fornecido por IstoÉ

Quixotes e panças

A preservação ambiental é um ponto do “bivaque” que alvoroça as “vivandeiras” do bolsonarismo, e, a partir dele, intensificou-se a chamada “questão Mourão”. Ele declarou que é irreversível a derrota de Donald Trump (o mito do “mito”), e Bolsonaro não gostou.

Deu entrevista propondo a desapropriação de terras de desmatadores de florestas, e Bolsonaro gostou menos ainda. Mourão, sistematicamente desprestigiado pelo presidente, saiu-se com uma boa frase: “se a política entrar no quartel pela porta da frente, a hierarquia e a disciplina saem pela porta de trás”.

A história, na verdade, não é bem assim. Ainda que os comandantes estejam corretos ao frisarem que as Forças Armadas não podem se intrometer em política (em um Brasil no qual a intromissão vem desde a quartelada que proclamou a República), o fato é que o inverso ocorre: a política partidária, queira-se ou não, acampa nas Forças Armadas.

E há o nó da ala ideológica do governo. Olavo de Carvalho mandou o general Santos Cruz — um dos primeiros perseguidos e demitidos do governo por Bolsonaro, e que apoiou as recentes palavras de Pujol — “ser homem”. Ofendeu-o porque ele afirmara que a militância bolsonarista é “um pessoal limitado”. Em defesa de Santos Cruz veio o general Paulo Chagas: “Olavo ‘Rasputin’ de Carvalho tuitou para o general Santos Cruz ‘ser homem’ (…). Todo bravateiro é, no fundo, um maricas (…)”. Falando-se em bravata, Bolsonaro poderia aprender essas não meias palavras machadianas sobre a democracia: “quando sincera, tem seus Gracos e Franklins; se desvirtuada, aí tem seus Quixotes e Panças – Quixotes pela bravata, Panças pelo grotesco”. O presidente, ao esculhambar Cruz, Mourão e os quartéis com suas estultícias, consegue ser bravateiro e grotesco ao mesmo tempo.

Colaborou Iara Lemos (Brasília)

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