A saída do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e a troca dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica surpreenderam alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que enxergaram uma tentativa do presidente Jair Bolsonaro de “politizar” as Forças Armadas.A BBC News Brasil apurou que Azevedo conversou com ministros do Supremo após pedir demissão, inclusive com o presidente do STF, Luiz Fux. Após o telefonema, Fux compartilhou com interlocutores a percepção de que Azevedo saiu por se recusar a “politizar as Forças Armadas”.Na avaliação do presidente do Supremo, a saída de Azevedo, que continua sendo “uma figura importante” no Exército, indica que a cúpula das Forças Armadas está comprometida com a democracia. Azevedo, que é tido como um militar moderado, também teria dito a ministros que deixou o cargo porque estava insatisfeito e “não era ouvido”.Em um anúncio surpreendente nesta segunda-feira (29/3), ele comunicou sua saída do Ministério da Defesa, sem explicar oficialmente os motivos.

“Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”, escreveu o general em sua carta de demissão. Segundo apuração da BBC News Brasil, Bolsonaro pediu sua saída do cargo por estar insatisfeito com a falta de apoio das Forças Armadas a bandeiras do governo.

Para o lugar de Azevedo, foi anunciado o general da reserva Walter Souza Braga Netto, que até então comandava a Casa Civil.

Depois, nesta terça (30), os três comandantes das Forças Armadas deixaram os cargos: Edson Pujol, comandante do Exército, Ilques Barbosa, da Marinha, e Antônio Carlos Moretti Bermudez, da Aeronáutica.

A saída dos comandantes é vista como um ato de protesto pela demissão sumária de Azevedo. Essa é a primeira vez que os três comandantes das Forças Armadas deixam seus cargos ao mesmo tempo por discordância com o presidente da República.

Azevedo era visto como uma figura moderada, que procurava os ministros do STF com frequência para tranquilizá-los sobre o compromisso das Forças Armadas com a democracia sempre que havia atritos entre integrantes do governo Bolsonaro e o tribunal.

Apesar da substituição dele por Braga Netto, Fux comentou com colegas acreditar que o novo ministro da Defesa também poderá ser um “bom interlocutor” com o Supremo.

Especialistas em Forças Armadas, por outro lado, manifestaram preocupação com a saída de Azevedo e dos comandantes das Forças Armadas- trocas que ocorrem na véspera do aniversário do golpe militar de 1964, nesta quarta (31).

Para o professor Juliano Cortinhas, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), a troca de comando do Exército por um general mais alinhado a Bolsonaro seria um sinal ruim para democracia, considerando o perfil autoritário do presidente, que em toda sua vida política exaltou a Ditadura Militar.

‘Surpresa’ e afago ao centrão

Um outro ministro do STF disse que ficou “surpreso” com as mudanças na cúpula do Ministério da Defesa.

Azevedo teria dito a ministros que outro motivo que o levou a pedir para sair do governo Bolsonaro foi a intenção do presidente de fazer trocas ministeriais para acomodar interesses de parlamentares do bloco do chamado centrão, grupo político que apoia o governo federal no Congresso.

No mesmo dia em que o ministro da Defesa pediu demissão, Bolsonaro promoveu mudanças no comando de outros quatro ministérios, além da Advocacia-Geral da União, responsável por representar o governo federal em processos judiciais, inclusive no Supremo.

Bolsonaro também promoveu mudanças em ministérios para indicar pessoas indicadas ao centrão, grupo político que apoia o governo no Congresso© CAROLINA ANTUNES/PR Bolsonaro também promoveu mudanças em ministérios para indicar pessoas indicadas ao centrão, grupo político que apoia o governo no CongressoO advogado-geral da União José Levi foi substituído por André Mendonça, que comandava o Ministério da Justiça. Essa troca foi interpretada por um ministro do STF como forma de acomodar os interesses do centrão. Para esse ministro, o presidente Bolsonaro ficará “mais na mão” desse grupo de parlamentares, após as mudanças realizadas nos ministérios.

A saída de Levi também teria relação com o fato de ele não ter querido assinar, como advogado-geral da União, a Ação Direta de Inconstitucionalidade que Bolsonaro apresentou ao STF contra medidas de confinamento implementadas por três Estados para controlar a pandemia do coronavírus.

O relator do pedido, ministro Marco Aurélio Mello, arquivou a ação sem analisar o mérito, por considerar que ela era inválida sem a participação da AGU.

Com a substituição de Levi por Mendonça, o cargo de ministro da Justiça foi entregue a Anderson Gustavo Torres, secretário de Segurança do Distrito Federal, que teria sido indicado por parlamentares do centrão.

Já para a Casa Civil, foi indicado o general Luiz Eduardo Ramos, que estava na Secretaria de Governo. Para o cargo dele, Bolsonaro nomeou a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF), em mais um aceno à sua base de apoio no Congresso Nacional.