Como o senhor avalia a postura do governo do presidente Bolsonaro em relação à pandemia de coronavírus? A crise não foi tratada com seriedade. Pouco se ouviu a comunidade acadêmico-científica. Faltou diálogo e cooperação com países e instituições na vanguarda da pesquisa sobre imunizantes. Em um primeiro momento, a gravidade da doença foi negada, estimulando as pessoas a não se protegerem, sob argumento de que a economia não poderia parar.Foi uma estratégia errada? Ninguém nega a essencialidade do emprego e da renda para o bem das famílias, mas é impossível seguir a vida normalmente quando a convivência com a morte se torna rotina, quando o sistema de saúde está em colapso, sem conseguir oferecer dignidade aos enfermos. Países que trataram a pandemia com mais seriedade estão conseguindo controlá-la com maior rapidez.No plano religioso, qual é a interpretação que se pode ter de uma pandemia como a do coronavírus? Cientistas advertem que o colapso do planeta, em razão de uma economia predatória, que exaure os recursos naturais, pode desencadear o surgimento de novas doenças. Essa lógica econômica, que coloca o dinheiro acima de tudo, inclusive do ser humano, é base da desigualdade social. Não se pode mais admitir uma economia que mata. A ação predatória diante dos recursos do planeta e o descaso com o ser humano são problemas interligados que devem ser enfrentados coletivamente. Se esses problemas continuarem a ser tratados com negligência, todos continuarão a ser duramente penalizados. O peso será sempre maior para os pobres, mais vulneráveis, mas ninguém estará imune.

E a lei do presidente Bolsonaro que permite aos fazendeiros portarem armas dentro da propriedade rural? A Igreja Católica é contra qualquer medida pró-armamento da população, pois considera que não se constrói a paz com a violência. Não compete aos cidadãos “fazer justiça com as próprias mãos”.  Mais armas no campo representam aumento de mortes, de conflitos agravados justamente por não contarem com a mediação do poder público.

Qual é a opinião do senhor sobre as novas normas decretadas pelo presidente Bolsonaro que ampliam a posse de quatro para seis armas por pessoa? Lembro o que diz o Papa Francisco, em visita ao Japão, em 2019: “Não às armas, sim ao diálogo”. Armar a população significa aumentar a possibilidade de conflitos violentos nas cidades, de atentados similares aos que ocorrem nos países que facilitam a compra de armas. Além disso, é preciso considerar a ação de criminosos, que estarão ainda mais próximos das armas, encontrando outras possibilidades para investirem contra a vida. Precisamos de uma política que esteja a serviço da paz, não do armamento.

O governo Bolsonaro faz uma defesa do “excludente de ilicitude” para militares em operações de garantia da lei e da ordem. Como vê essa posição do governo? O Código Penal Brasileiro já prevê a exclusão de ilicitude, mas também indica punição para excessos. As ações de todos os agentes de Estado precisam ser fiscalizadas. Então não vejo razões para eliminar ou enfraquecer mecanismos que permitam a reavaliação de práticas policiais, a identificação de equívocos.  Os agentes de segurança, quando agem amparados pela lei, não são punidos. Importante é cada vez mais valorizar estes agentes, dando-lhes condição digna de trabalho, remuneração adequada, proteção para as suas famílias.

Como o senhor vê o comentário do ministro da Educação, Milton Ribeiro, de que a homossexualidade é fruto de “famílias desajustadas”? Instrumentalizar a Palavra de Deus para proferir julgamentos não é o caminho adequado. Discriminar pessoas também não constitui atitude cristã. A Bíblia – Palavra de Deus – nos orienta a acolher cada pessoa. É claro que a Igreja tem seus ensinamentos, sua doutrina que auxilia cada pessoa a disciplinar a própria vida. Mas não compete à Igreja apontar dedos, pois todos nós temos limitações, somos falhos.

Como o senhor avalia a postura do governo federal, de considerar como “organizações criminosas” os movimentos sociais como o MST? Os grupos sociais que buscam o respeito de direitos fundamentais não podem ser criminalizados. Obviamente, em todos os segmentos da sociedade civil ou nas esferas de poder existem aqueles que não têm boas intenções, instrumentalizam pessoas para o atendimento dos próprios interesses, de modo egoísta. Isto não significa que os grupos da sociedade civil organizada e a classe política devam ser criminalizados, a partir de generalizações. Os trabalhadores do campo, organizados em busca do direito à propriedade e ao trabalho, precisam ser respeitados. Suas reivindicações históricas são legítimas – todos têm o direito à terra, à moradia e ao trabalho.