Gambiarra nos combustíveis

Já era esperado e saiu de forma assustadora, surpreendendo o mercado: o plano do governo de intervenção no preço dos combustíveis soma improviso, irresponsabilidade fiscal e oportunismo eleitoreiro em um festival de equívocos que desmoraliza irremediavelmente o teto de gastos.
Alan Santos
© Alan Santos
Já era esperado e saiu de forma assustadora, surpreendendo o mercado: o plano do governo de intervenção no preço dos combustíveis soma improviso, irresponsabilidade fiscal e oportunismo eleitoreiro em um festival de equívocos que desmoraliza irremediavelmente o teto de gastos.

TNM/IstoÉ Dinheiro Por Carlos José Marques

O tamanho da brincadeira deve ficar entre R$ 25 bilhões e R$ 50 bilhões, segundo os dados do próprio Ministério da Economia, e o que é pior: o Planalto cogita pagar a farra com o dinheiro eventualmente levantado na venda da Eletrobras, que está na pista de decolagem e tem por meta arrecadar algo em torno de R$ 30 bilhões. Em outras palavras: o resultado do repasse de uma estatal inteira, da relevância e peso da Eletrobras, deve virar literalmente pó em troca de uma aventura contábil para garantir mais alguns votos ao mandatário em seu projeto de reeleição. E o impacto da medida na ponta final da bomba dos postos é considerado no mercado como irrisório. Estima-se, por exemplo, que o preço do diesel, alvo prioritário da empreitada, baixe no máximo R$ 1 por litro. Quase nada.

Os próprios caminhoneiros, que reclamavam do encarecimento do diesel, classificaram a saída como “solução tabajara”. E ela pode ser consumida rapidamente por variações do câmbio e a rápida escalada dos preços do barril. É um desatino! Torrar em seis meses um valor dessa envergadura equivale a uma displicência orçamentária sem precedentes. Somente o desespero de causa e a falta de cuidado com a coisa pública podem explicar o movimento.

O presidente Bolsonaro sempre sonhou com um tabelamento dos preços, intervindo ao seu bel prazer na Companhia, inclusive trocando por três vezes o presidente da estatal por não atender aos seus anseios. Mas agora passa dos limites.

Na intenção de encurralar os governadores, pedindo deles a renúncia ao ICMS em troca de compensações futuras, buscou uma saída mandrake: a promessa de votação de uma PEC — que sempre tem um tortuoso caminho a atravessar no Congresso, passando pelas duas Casas em inúmeras sessões, com a de votos da maioria quase absoluta, para sair aprovada — que traria afinal de volta, mais adiante, a receita perdida. É proposta de espertalhão, do tipo você entra com o navio que eu entro com o mar.

A aflição nas contas públicas vai, assim, ficando para o próximo governo que sairá das urnas ao final do ano. Seja qual for ele, terá um desafio monumental a enfrentar, com riscos de mergulhar o País em um endividamento crônico.

O presidente se esforça para fazer valer uma agenda populista que compromete as chances de retomada da economia. A ameaça, ao final, acabará caindo, para variar, no bolso do próprio consumidor que pagará a conta por tamanho desfalque. Em nada a medida deve aliviar a escalada inflacionária em curso. Zerar impostos sobre diesel, gasolina e gás de cozinha até dezembro próximo é como enxugar gelo com pano. Pomposamente, o governo classificou a manobra como “esforço cooperativo entre os entes federativos”, mas se esqueceu de combinar com os governadores, que reagiram mal à proposta. O que fazer? A ideia ainda vai boiar por longo tempo, buscando transparecer como uma espécie de tentativa legítima do capitão de conter a carestia. Mas se o gasto da PEC fura-teto for realmente acomodado, como um puxadinho fiscal, o estrago terá proporções apocalípticas.

Alan Santos
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