Temperatura para impeachment de Bolsonaro ‘vai esquentando’, diz vice-presidente da Câmara

Para Ramos, não há clima ou votos para impeachment no momento, mas a temperatura "vai esquentando". Nas últimas semanas, cresceu o desgaste de Bolsonaro devido a denúncias de possíveis esquemas de corrupção na aquisição de vacinas — o que o presidente nega.

BBC News

Ramos pediu a Arthur Lira acesso aos mais de 120 pedidos de impeachment contra Bolsonaro

© Agência Câmara Ramos pediu a Arthur Lira acesso aos mais de 120 pedidos de impeachment contra Bolsonaro

A crise política em Brasília subiu um novo degrau nesta semana com os desentendimentos públicos entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM).

Depois de Bolsonaro responsabilizar Ramos pela aprovação no Congresso do impopular fundão eleitoral de R$ 5,7 bilhões para financiar as campanhas no pleito de 2022, Ramos decidiu analisar os mais de 120 pedidos de impeachment apresentados contra o presidente.

O gesto foi visto como uma sinalização de que o vice-presidente da Câmara pode abrir um processo contra Bolsonaro quando assumir interinamente o comando da Casa, em caso de ausência do presidente Arthur Lira (PL-AL), fiel aliado do Palácio do Planalto.

Em entrevista à BBC News Brasil, Ramos não descartou que possa fazer isso, mas disse que qualquer decisão será tomada com “a seriedade que o tema exige”. O deputado afirmou que sua intenção inicial ao analisar os pedidos é avaliar “a existência ou não de indícios de crime de responsabilidade”.

“Se em algum momento eu virar presidente interino, aí eu terei que fazer a segunda análise: a análise se juridicamente é possível que eu tome essa atitude (sendo presidente interino da Câmara) e a análise se politicamente cabe dentro de quem exerce provisoriamente a Presidência da Câmara acatar um pedido de impeachment”, acrescenta.

Para Ramos, não há clima ou votos para impeachment no momento, mas a temperatura “vai esquentando”. Nas últimas semanas, cresceu o desgaste de Bolsonaro devido a denúncias de possíveis esquemas de corrupção na aquisição de vacinas — o que o presidente nega.

Além disso, aumentaram os protestos de rua a favor do impeachment, inicialmente liderados por movimentos de centro-esquerda. Agora, grupos de direita, como o Movimento Brasil Livre, também decidiram convocar atos pela cassação de Bolsonaro para setembro.

“Eu acho que hoje não tem clima, não tem votos suficientes, mas a água que estava fria, ainda não está fervendo, mas já esquentou”, disse Ramos à BBC News Brasil.

“A população começa a se mobilizar, começa a cobrar a Câmara dos Deputados. O presidente avança sobre a autonomia e independência da Câmara dos Deputados. Avança sobre as regras democráticas que preveem eleição no ano que vem (com as acusações sem prova de Bolsonaro sobre fraude na urna eletrônica) e, obviamente, que a temperatura vai esquentando”, reforçou.

Bolsonaro acusou Ramos de ser o responsável pela aprovação do fundão de R$ 5,7 bilhões, que foi incluído na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada no Congresso. Segundo o presidente, o deputado teria evitado que um destaque apresentado pelo partido Novo para excluir o fundão da LDO fosse votado nominalmente (sistema em que o voto de cada parlamentar fica registrado).

Como o destaque foi derrubado em votação simbólica (sem registro individual dos votos), todos os deputados que votaram a favor da LDO estão sendo cobrados pelo apoio ao fundão, inclusive o filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

“Os parlamentares aprovaram a LDO. É um documento enorme, com vários anexos. Tem muita coisa lá dentro. Muitos parlamentares tentaram destacar essa questão (fudão eleitoral). O responsável por aprovar isso é o Marcelo Ramos lá do Amazonas. Ele que fez isso tudo”, afirmou Bolsonaro, no domingo.

Na entrevista, o vice-presidente da Câmara rebateu as críticas do presidente e disse que os líderes do seu governo no Congresso que articularam o fundão de R$ 5,7 bilhões, mais que o triplo do valor das últimas eleições, de cerca de R$ 1,7 bilhão.

Ramos desafiou Bolsonaro a vetar o valor aprovado no Congresso (veto que depois pode ser derrubado ou mantido no Parlamento) e repudiou a possibilidade de uma “acordão” para aprovar no lugar um fundão de R$ 4 bilhões. O novo montante estaria sendo articulado pela base do governo no Congresso, segundo o jornal Folha de S. Paulo.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida na terça-feira (20/7).

BBC News Brasil – O presidente Jair Bolsonaro indicou a intenção de vetar os R$ 5,7 bilhões aprovados no Congresso para o fundão eleitoral em 2022. E o jornal Folha de S. Paulo diz que a base do governo estaria articulando um novo valor de R$ 4 bilhões. O senhor acha que esse é um caminho intermediário para a crise ou o Congresso deve derrubar o veto presidencial, caso se confirme?

Marcelo Ramos – Não, a sociedade brasileira não vai aceitar um acordão de R$ 4 bilhões. O fundo hoje é de R$1,7 bilhão. R$ 4 bilhões é mais do que o dobro do valor atual, e a sociedade não aceita R$ 5,7 bilhões, como não aceita R$ 4 bilhões. Eu sei que a palavra dele (Bolsonaro) não vale muito, mas ele precisa cumprir sua palavra, fazer o veto total e devolver pra Câmara para que a Câmara democraticamente tome a sua decisão, inclusive lembrando que, se o veto chegar na Câmara, o voto será obrigatoriamente nominal (o voto de cada deputado ficará registrado e aberto para a sociedade).

Então, esse tipo de acordão não faz bem, e eu começo a suspeitar que eu fui vítima de uma grande armação. De que o presidente já arrumou pra aprovar esses R$ 5,7 bilhões com um acordo preconcebido de baixar para R$ 4 bilhões e ainda aparecer como bom moço. Eu tenho sérias suspeitas de que eu fiquei no meio de uma grande armação orquestrada pelo presidente da República.

BBC News Brasil – Essa informação sobre um acordo para o fundão receber R$ 4 bilhões é do jornal Folha de S. Paulo. O presidente não falou publicamente nesse valor. Esta negociação está acontecendo nos bastidores?

Ramos – Está claro pelo que a gente ouve nos bastidores que estão tentando construir um acordão, mas o povo brasileiro não vai aceitar acordão. O presidente, repito, tem que cumprir a palavra dele. Tem que fazer o veto total da proposta. E não adianta fazer o veto total e depois mandar outro projeto pra colocar R$ 4 bilhões no fundão, porque o povo não é bobo.

Bolsonaro acusa Ramos de ser o responsável pelo fundão de R$ 5,7 bilhão, enquanto o deputado diz que valor foi acordado por líderes do governo sem sua participação

© EPA Bolsonaro acusa Ramos de ser o responsável pelo fundão de R$ 5,7 bilhão, enquanto o deputado diz que valor foi acordado por líderes do governo sem sua participação

TNM/Por FELIPE MENEZES/PTB NACIONAL

BBC News Brasil – O senhor estava presidindo a sessão que aprovou o aumento do fundão eleitoral e tem argumentado que simplesmente colocou em votação a LDO da forma como foi articulada pelos próprios líderes do governo. Por que não houve votação nominal do destaque que buscava retirar o fundão de R$ 5,7 bilhões da LDO? Como foi uma votação simbólica, isso impediu a sociedade de saber quem de fato estava contra e a favor. Não é direito da sociedade saber?

Ramos – Eu vou separar em duas partes a resposta. Primeiro, uma resposta técnica. Pelo regimento da Câmara, depois de uma votação nominal você tem um interstício de uma hora para o pedido de uma nova votação nominal. Acontece que os líderes, orientados pelo governo, pediram a votação nominal no texto principal da LDO justamente para fugir da votação nominal no texto do destaque do partido Novo (destaque que pedia a votação nominal). Então, não foi feito nominal porque estava dentro do interstício.

 

 

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