“É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou nasceu porque um ser humano ingeriu um animal inadequado. Mas está aí, os militares sabem que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra?”, disse Bolsonaro em evento promovido pelo ministério das Comunicações, no Palácio do Planalto, no dia em que senadores ouviram o ex-ministro Nelson Teich (Saúde) na CPI da covid-19.
Em seguida, ele questionou: “qual o país que mais cresceu seu PIB? Não vou dizer para vocês”, em uma referência ao crescimento de 2,3% do Produto Interno Bruto chinês em 2020.
A agressão de Bolsonaro ao país aliado ocorre num momento em que os esforços brasileiros deveriam ser direcionados à ampliação da vacinação contra o coronavírus. Mas, com sua política negacionista, ele prefere atuar para sabotar a luta contra o vírus, mantendo a população refém da pandemia.
Das três vacinas utilizadas atualmente no Brasil – CoronaVac, AstraZeneca e Pfizer – duas, dependem diretamente da importação dos insumos vindos da China. Os contratos do Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac e da Fiocruz com a multinacional Astrazeneca, prevêem a entrega de 200 milhões de doses de imunizantes, o suficiente para imunizar 100 milhões de brasileiros.
Assim como a CoronaVac, os insumos da vacina comercializada pela AstraZeneca são produzidos em indústrias farmacológicas localizadas na China.
Mas, para o negacionismo bolsonarista, é preferível atacar a nação chinesa.
Alerta
O Instituto Butantan alertou que as declarações de Bolsonaro podem dificultar a liberação de insumos pelas autoridades chinesas para fabricação no Brasil. “Todas as declarações neste sentido têm repercussão. Nós já tivemos um grande problema no começo do ano e estamos enfrentando de novo esse problema”, disse o presidente do Butantan, Dimas Covas.
Segundo ele, o governo federal “tem remado contra” os esforços pela vacina.
Covas explicou que a próxima liberação de insumos teve a data de autorização adiada do dia 10 para o dia 13. O volume inicial seria de 6 mil litros, agora a expectativa é de 2 mil litros. Para ele, as mudanças não são da produção da Sinovac e sim determinadas pelas autorizações das autoridades chinesas.
“Pode faltar [insumos]? Pode faltar. E aí nós temos que debitar isso principalmente ao nosso governo federal que tem remado contra”, disse Covas.
Ele acrescentou ainda que há várias informações mentirosas e mirabolantes no discurso do discurso do presidente, citando que teria havido uma fabricação do vírus.
O governador de São Paulo, João Doria, também fez críticas à postura de Bolsonaro e seu governo. “Diante de uma pandemia, o insumo da principal vacina que vai no braço dos brasileiros vem da China, o mal estar provocado por sucessivas declarações desastrosas do ministro da Economia Paulo Guedes e agora do presidente da República Jair Bolsonaro, e o Ministério das Relações Exteriores silencia. Que Ministério das Relações Exteriores é esse que não faz relações positivas, construtivas, com países, seja pela economia, seja pelo fato de que a China é a principal provedora de insumos para as vacinas?”, questionou.
Resposta
Diferentemente de Bolsonaro, a China procurou amenizar uma possível discussão motivada pela declaração do presidente brasileiro. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, afirmou que o país asiático se “opõe firmemente a qualquer tentativa de politizar e estigmatizar o vírus”.
O diplomata ainda destacou que o verdadeiro inimigo atualmente é o vírus, e que os países devem se unir para derrotá-lo. “O vírus é o inimigo comum da humanidade. A tarefa urgente agora é que todos os países se unam na cooperação e se esforcem por uma vitória rápida e completa sobre a epidemia”, ressaltou Wang Wenbin.
Reincidência
Ainda no contexto do boicote de Bolsonaro a todos os imunizantes, vale lembrar que ele chegou a desautorizar a compra da CoronaVac, anunciada por seu próprio ministro da Saúde, na época, Eduardo Pazuello. Negou-se a se vacinar e, em uma série de entrevistas, afirmou que as vacinas provocariam doenças, deformações e até mortes.
Para obter sucesso em sua campanha antivacina, Bolsonaro também promoveu o aparelhamento da direção da Anvisa, órgão responsável pela aprovação de imunizantes. Colocou na presidência o negacionista Antônio Barra Torres, que, em plena pandemia, participava junto com ele, sem máscara, das aglomerações realizadas semanalmente na Praça dos Três Poderes.
Com Barra Torres na presidência da Anvisa, a vacina russa, Sputnik V, ainda não teve registro emergencial aprovado e a ButanVac, do Instituto Butantan, teve o pedido de início dos estudos em humanos, negado.
O governo Jair Bolsonaro ainda recusou onze ofertas formais de empresas farmacêuticas de fornecimento de vacinas contra o novo coronavírus. Das 11 negativas, seis foram dadas ao Instituto Butantan, referente ao imunizante a CoronaVac.
O diretor do órgão, Dimas Covas, enviou três ofícios ao Ministério da Saúde oferecendo a vacina, datados de 30 de julho, de 18 de agosto e 7 de outubro do ano passado, sendo este último entregue pessoalmente ao então chefe da pasta, o general Eduardo Pazuello.
Em agosto de 2020, foi dada a primeira das três negativas ao laboratório estadunidense Pfizer. Somente nesta ocasião, o Brasil perdeu 70 milhões de doses que seriam entregues já em dezembro do ano passado.
Veja também: Bolsonaro diz que Antártica fica no Brasil e vira meme na web