Bolsonaro fez as afirmações justamente no momento em que vários Estados enfrentam dificuldades para aplicar a segunda dose da Coronavac, vacina produzida no Brasil pelo Instituto Butantan com insumos chineses. No último dia 27, o ministro da Economia, Paulo Guedes, também disse que “o chinês inventou o vírus”. Sem saber que estava sendo gravado em uma reunião do Conselho de Saúde Suplementar, Guedes afirmou, ainda, que a vacina produzida pela China era “menos efetiva que a do americano”. Horas depois, quando novo embaraço diplomático se desenhava, o chefe da equipe econômica disse ter usado “uma imagem infeliz”.
A versão de que o novo coronavírus foi criado em laboratório foi considerada “extremamente improvável” por cientistas que conduziram investigações a respeito do assunto na OMS. O ex-chanceler Ernesto Araújo, o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) também provocaram atritos com a China, no ano passado, ao se referir à covid-19 e às vacinas.
Presidente reclama de pedido feito por governista na CPI
Ao se referir à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, Bolsonaro reclamou de um requerimento de informações sobre os lugares que visitou. Em muitos finais de semana, o presidente frequentou comunidades pobres em Brasília e provocou aglomerações. O pedido para que a Presidência detalhe os itinerários, no entanto, partiu do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), um dos aliados do Palácio do Planalto no colegiado.
“Recebo agora documentos da CPI para dizer onde eu estava nos meus últimos fins de semana. Não interessa onde eu estava. Respeito a CPI. Estive no meio do povo, tenho que dar exemplo. É fácil para mim ficar no Palácio do Alvorada, tem tudo lá. Não posso, sem ouvir o povo, tomar conhecimento do que eles sentem e do que eles querem”, disse Bolsonaro. “Vou continuar andando em comunidades em Brasília. Alguns acham que vou passear. Não, vou continuar a fazer tudo que aqueles que me criticam deveriam fazer”.
Para justificar o pedido, Girão citou a ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber. “A Constituição Federal (arts. 6o e 196), segundo a ministra Rosa Weber (STF), não admite retrocessos injustificados no direito social à saúde e que, especialmente em tempos de emergência sanitária, as condutas dos agentes públicos contraditórias às evidências científicas de preservação da vida não devem ser classificadas como atos administrativos legítimos, sequer aceitáveis”, disse o senador.
Crítico de medidas de isolamento social adotadas por governadores, Bolsonaro avalia editar um decreto para garantir a “liberdade de culto, de poder trabalhar e o direito de ir e vir”. De acordo com o presidente, a medida “não poderá ser contestada por nenhum tribunal”. “Não podemos continuar com essa política de ‘feche tudo, fique em casa’”, argumentou. “Nas ruas já se começa a pedir por parte do governo que se baixe um decreto. E se eu baixar um decreto, vai ser cumprido. Não vai ser contestado por nenhum tribunal, porque será cumprido”. Logo em seguida, ele perguntou: “O que constaria no corpo desse decreto?”. E, sem esperar, respondeu: “Os incisos do artigo 5º da Constituição”.
O artigo 5º, citado por Bolsonaro, diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Mais uma vez, Bolsonaro adotou discurso populista ao afirmar que o povo estará a seu lado. Recentemente, ele disse esperar um “sinal” para tomar providências. As manifestações de 1.º de Maio, quando pessoas foram às ruas vestidas de verde e amarelo, exibindo camisetas com a inscrição “Eu autorizo” foram vistas por ele como esse “sinal”.
“O Congresso, o qual integrei, tenho a certeza que estará ao nosso lado. O povo, o qual nós, Executivo e parlamentares, devemos lealdade absoluta, também estará ao nosso lado. Quem poderá contestar o artigo 5 da Constituição?”, perguntou.
Na sua avaliação, a “lealdade” do povo equivale à das Forças Armadas. “Os militares, quando se tornam praça, juram dar a vida pela Pátria. Os que estiveram nas ruas, nesse 1º de Maio, bem como outros milhões que não puderam ir às ruas, darão sua vida por liberdade”, afirmou.
A ameaça de Bolsonaro de editar um decreto contra medidas de isolamento social ocorre após crescerem nas redes sociais as críticas à forma como o governo tem conduzido o enfrentamento da pandemia. A morte do ator Paulo Gustavo comoveu o País e, segundo levantamento da consultoria Ap Exata, teve um efeito direto na rejeição ao presidente nas redes.
A empresa, que monitora o humor dos usuários no Twitter, mostra que o sentimento de tristeza em posts que mencionam Bolsonaro aumentou dez pontos desde terça-feira, 4. As publicações da família Bolsonaro lamentando a perda de Paulo Gustavo para a cultura brasileira não foram vistas como genuínas. Opositores lembraram de ocasiões em que o presidente menosprezou a doença e provocou aglomerações desnecessárias.