Em entrevista à ISTOÉ, Aziz disse que vai trabalhar para “evitar a politização da CPI”. Algo que parece impossível. O senador fez questão de não lançar juízo de valor sobre os casos apurados na CPI, mas deixou claro que a atuação de Bolsonaro “destoa dos outros líderes mundiais”.

Aziz também afirma que o presidente foi negacionista e que equívocos e apostas erradas custaram mais de 430 mil mortes. O senador alerta para o caos social pós-pandemia e diz que não fazem sentido os ataques do governo contra um parceiro comercial como a China.

Senador, o senhor preside a CPI da Covid num momento que a pandemia já devia estar controlada. Qual o tamanho da sua responsabilidade nesse momento?

Vou pautar meus trabalhos para evitar a politização da CPI. A comissão será para apurar fatos, não para defender direita, esquerda ou centro. Essa é também uma responsabilidade de todos os senadores integrantes da CPI. Ninguém é maior do que esta comissão. Todos têm o dever com o Brasil de fazer justiça aos mais de 430 mil mortos desta pandemia. Fazer justiça é colocar duas doses de vacinas para cada brasileiro. E a CPI pode ir além: pode propor uma política de Estado para o enfrentamento de crises como esta. Não podemos ficar com o presidente de plantão falando uma coisa, o governador outra e o prefeito outra.

O Brasil tem uma história de muitas investigações de CPI terminarem em pizza. Mas também já assistiu a queda de presidentes da República. Essa Comissão é para inglês ver ou o povo pode confiar que as investigações chegarão aos responsáveis?

Em outras CPIs, o assunto, às vezes, não interessava ao cidadão comum. CPI dos Correios, CPI da Petrobras tratavam de assuntos muito específicos. Esta CPI da Pandemia não, ela é diferente das outras porque ela está no lar de todos os brasileiros. Todos têm algum familiar, amigo ou um conhecido que foi vítima desta doença. Eu tenho um irmão, dez anos mais novo do que eu, que foi vítima da Covid. Esta CPI não tem alternativa, que não seja investigar os fatos e seus responsáveis.

Um áudio vazado pelo senador Kajuru mostrou a intenção do presidente Bolsonaro de mobilizar a CPI para desviar o foco do governo federal para os governos estaduais. Qual é o limite proposto pela Comissão?

A Comissão Parlamentar de Inquérito vai investigar possíveis omissões do governo federal em relação ao combate à Covid, a falta de oxigênio no Amazonas e a conduta dos governadores em relação aos repasses que foram feitos pelo governo federal aos estados. Não vou falar sobre este áudio, mas tenho a convicção de que os senadores não permitirão subterfúgios.

Nas apurações iniciais já é possível dizer se houve a formação de um ministério paralelo dentro do governo Bolsonaro que agia para atrapalhar na informação das pessoas sobre o distanciamento social?

Penso que, antes de formular qualquer juízo, precisamos ouvir as testemunhas. É preciso muito cuidado com pré-julgamentos. A CPI tem o seu prazo para funcionamento, que pode até ser prorrogado. Vamos trabalhar primeiro para depois emitir qualquer tipo de julgamento.

O “Gabinete do Ódio” voltou a trabalhar para atacar a CPI. Os articuladores dessa estratégia também serão investigados pela Comissão? Haverá uma comunicação com as apurações das fake news?

Tenho certeza de que fake news e qualquer tipo de ataque não vão afetar os trabalhos da Comissão. Agora quem cometer crime, quem fez coisa errada, será investigado.

O presidente Bolsonaro incentivou o uso da cloroquina, bem como as aglomerações, em diversas falas públicas. Isso será levado em consideração nos autos dos relatórios?

O relatório está sendo preparado pelo senador Renan Calheiros, parlamentar por quem tenho profundo respeito e tenho a certeza de que ele vai incluir tudo que for pertinente ao trabalho da CPI. A comunidade internacional tem deixado claro sobre para que serve a cloroquina. É preciso deixar claro para as pessoas que só a vacina vai ajudar a reduzir o número de óbitos.

O debate contrário à vacinação das pessoas foi mudado quando o presidente se viu acuado. Mas é sabido que ele fez campanha contra a vacina. Disse que o povo ia virar jacaré. Qual foi o peso disso para a escalada da doença?

Penso que a atuação do líder maior da nação destoa de outros líderes mundiais. O Brasil ganharia muito se, neste momento, houvesse uma conclamação para o uso da máscara, o incentivo ao distanciamento, o uso do álcool em gel. O mais importante é salvar vidas. Já são mais de 430 mil óbitos no Brasil. É preciso agir.

Representantes das empresas que produzem vacinas internacionalmente serão ouvidos para dizer como foi o contato com o governo brasileiro?

Qualquer pessoa, empresa ou órgão que tenha algum fato correlato à CPI serão ouvidos sim. Se houver fatos concretos, serão chamados. Ouviremos a Pfizer, o Butantan, a Fiocruz e a Sputnik. Importante sim que todos sejam ouvidos.

O que há de mais revelador nas falas dos ex-ministros da Saúde ouvidos até agora pela Comissão?

O que deu para detectar é que não existia nenhum planejamento dos ministros que foram à CPI. Tanto o Mandetta, quanto o Teich, como o Queiroga, nenhum deles apresentou (o planejamento). Ainda estão todos batendo cabeça em relação à Covid. O Mandetta estava no início da pandemia, saiu quando o número de óbitos ainda era pequeno. Chegou a mostrar uma carta que ninguém tinha conhecimento, mas também não conseguiu dizer qual foi o planejamento que ele como ministro fez, seja de testagem, barreira sanitária, comportamento, até porque tudo era incipiente naquele período. Mas não deixou nada planejado.

O ministro Teich ficou 29 dias no cargo. Pouco ou quase nada poderia ter feito nesse período. Mesmo assim, acredito que foi o melhor depoimento que nós tivemos. Ele claramente se posiciona contra a medicação antecipada, o que poderia ou não acontecer em caso de uso de cloroquina, ivermectina e outros fármacos que são difundidos por um grupo de pessoas. Não é possível que só o Brasil ache que a cloroquina vai salvar alguém. Já o atual ministro foi uma decepção. Ele, médico cardiologista, disse que não poderia se posicionar sobre o uso da cloroquina no tratamento contra Covid, porque aguardava o protocolo da Conitec.

A nomeação do general Pazuello para o Ministério por si só não foi uma irresponsabilidade, visto que ele não é médico e não tinha conhecimento suficiente para o desafio imposto com a pandemia?

Não me cabe fazer juízo de valor sobre a indicação de ministros. Não temos como falar pelo governo sobre que aspectos foram considerados para nomeação de Pazuello ao cargo. Acredito que quando você escolhe alguém para compor sua equipe, a intenção é entregar os melhores resultados, e não o contrário. É o que tenho dito, não podemos politizar a CPI, isso seria um desrespeito aos mais de 430 mil óbitos no País. Mas, nós vamos atuar em cima dos fatos, do que poderia ter sido feito e não foi, verificar se houve omissão, dos compromissos que não se concretizaram. São muitos aspectos a serem considerados e lá estará em testemunho a figura do ex-ministro da Saúde e não o general do Exército.

Bolsonaro disse por diversas vezes que se ele estivesse errado ele pagaria a fatura. Isso quando afirmava que morreriam 800 pessoas ou quando disse que a pandemia estava acabando. Errou em todas. Chegou a hora de pagar essa fatura depois de mais de 430 mil óbitos?

A CPI não pode começar com pré-julgamentos sob o risco de estar viciada. É preciso primeiro ouvir as ações do Ministério da Saúde. Por isso, chamamos os ministros primeiro. Em seguida, vamos ouvir os laboratórios. A CPI existe para investigar fatos. Em posse do relatório, as autoridades competentes poderão tomar suas decisões. É muito precipitada uma investigação que mal começou já atribuir penalização e processo de impeachment.

A crueldade da morte da população de Manaus com falta de oxigênio será tomada como um genocídio depois de identificado aqueles que sabiam da necessidade e se omitiram?

Infelizmente, o Amazonas foi o Estado que mais sofreu. O que vivenciamos é difícil até de descrever. Recebia pedidos de ajuda, mas estávamos com as mãos atadas. Não tinha a quem recorrer (para conseguir oxigênio) ali na hora. Se vier uma terceira onda, e eu torço que não venha, os governadores não podem mais dar justificativa de que foram pegos de surpresa. Não pode faltar oxigênio. Quanto ao termo genocídio, eu não acredito que um chefe de Estado veja os números de mortos em nosso País e comemore. Pelo contrário, eu tenho certeza que nenhum gestor fique feliz com este cenário. Há posicionamentos que são defendidos como corretos que eu não concordo, mas daí afirmar que alguém sinta prazer em ver os números de óbitos crescer, eu não acredito nisso.

Se realmente for comprovado que houve má intenção do presidente e que ele pretendia que todas as pessoas se contaminassem para alcançar a imunidade de rebanho, ele poderá ser responsabilizado?

Não podemos brincar com vidas, pagar para ver. O presidente, desde o primeiro momento, foi negacionista – e todo mundo sabe disso. Estimulou aglomerações, achava equivocadamente que poderíamos sair dessa pandemia com a imunização de rebanho — e isso não aconteceu. Acho que os equívocos que foram cometidos precisam ser reavaliados e precisa ser feito uma autocrítica destes equívocos. Estes equívocos custaram ao Brasil muitas vidas.

As críticas à China e as ameaças ao Supremo Tribunal Federal, feitas pelo presidente, atrapalham quanto para a estabilidade política e desenvolvimento do País?

Nossa boa relação com o povo chinês é histórica. Um parceiro comercial como a China não dá para manifestar negativamente, nem com o ponto de vista do Ifa (insumo fundamental para a produção de vacinas contra a Covid) que estamos precisando, nem do ponto de vista da economia brasileira. Não estamos tratando somente vacina e vírus, vai além.

\Quando você fecha parcerias comerciais e elas deixam de existir, para serem retomadas demoram anos. Estamos passando de uma pandemia para o caos social e para a fome. Ficam puxando saco dos americanos, mas não consegue uma vacina por lá, e ataca o maior fornecedor de insumos da Coronavac. Quanto ao Supremo, criticar a Justiça é tão nocivo quanto. É o maior guardião da Constituição Brasileira. É um poder independente e que pauta suas ações visando a garantia de direito e cumprimento de deveres de todos. Qualquer pessoa que ataque o Supremo está desalinhada com a nossa Constituição e democracia.

Bolsonaro já cogitou lançar um decreto contra as medidas de distanciamento social editadas por estados e municípios. Esse tipo de embate não é um mau exemplo para os cidadãos?

Enquanto a ciência busca entender essa doença, que é o correto, e as organizações de saúde desenvolvem os protocolos para o controle do vírus nós, enquanto sociedade, precisamos fazer a nossa parte. E não adianta tomar as duas doses da vacina e deixar de se proteger. Temos que nos proteger e proteger os nossos. O que vai resolver esse problema é o nosso comportamento.

Apesar do bom histórico em campanhas de vacinação, estamos muito defasados em relação à comunidade internacional. A CPI vai pressionar desde já para soluções imediatas, mesmo antes da conclusão dos responsáveis?

O comportamento já está sendo mudado, depois que a CPI foi instalada. Se você perceber, se você tiver uma boa lembrança do comportamento do governo em relação à vacina há um ano, em que se afirmava que quem tinha que impor condições para trazer vacinas era o Brasil, porque o Brasil tem um grande número de pessoas para consumir, que não se aceitava imposição nenhuma para trazer a vacina que salva vidas. Agora no final de abril para início de maio, o ministro Queiroga fez uma faz um apelo à OMS para mandar vacinas ao Brasil. Não fez nenhuma condição, fez um apelo humildemente. Hoje, vários estados estão em ritmo lento ou mesmo sem o imunizante, devido à soberba e falta de planejamento no passado. O que queremos é vacina, se for pedindo, se for doação, se for para comprar. A vacina faz justiça, a justiça salva vidas. São duas doses para cada brasileiro e é isso que a CPI vai perseguir.