Obra de Graciliano entra em domínio público e provoca corrida de reedições

A obra do alagoano Graciliano Ramos, um dos maiores expoentes da literatura brasileira, passou a ser de domínio público. Isso significa que foi dada a largada para reedições de clássicos como Vidas Secas, Angústia e São Bernardo. Na prática, os direitos autorais não são mais repassados aos herdeiros do autor e deixam de ser exclusivos de uma única editora.

Livro traz Graciliano Ramos como “alguém a quem a ...

Graciliano Ramos entre “a gramática e a lei”

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TNM/Por Guilherme Lamenha

Há uma semana, mais precisamente no primeiro dia de 2024, a obra do alagoano Graciliano Ramos, um dos maiores expoentes da literatura brasileira, passou a ser de domínio público. Isso significa que foi dada a largada para reedições de clássicos como Vidas Secas, Angústia e São Bernardo. Na prática, os direitos autorais não são mais repassados aos herdeiros do autor e deixam de ser exclusivos de uma única editora.

Todo esse interesse, 70 anos após sua morte, esconde um começo difícil, já que o autor demorou a ter seu primeiro livro editado. Caetés, romance que ficou na gaveta por um bom tempo, só foi lançado em dezembro de 1933, depois de uma batalha travada entre ele e o editor Augusto Frederico Schmidt por pelo menos três anos. O alagoano tinha então 41 anos de idade.

São Bernardo, o segundo romance, chegou ao público com relativa rapidez, em novembro de 1934, pela Ariel Editora. Em 1936 foi a vez de Angústia, agora pelas mãos do influente José Olympio, que também lançaria em 1938 aquela que é considerada a obra-prima do alagoano, Vidas Secas. Os livros seguintes, Infância (1945), Insônia (1947) e Memórias do Cárcere (1953) continuam na mesma editora.Graciliano Ramos entre “a gramática e a lei”

Além de silencioso e reservado, Graciliano era conhecido pelo humor ácido e pelo temperamento difícil. Não gostava de jogar conversa fora e nem de floreios, principalmente na escrita. Sua genialidade é sempre associada à economia com as palavras, o rígido senso de revisor e o esmero com o acabamento de suas obras. É justamente isso que preocupa pesquisadores e a própria família do autor, em relação ao anúncio das novas edições.

“A excrescência dessa lei [que permite o domínio público] é poder haver a comercialização da obra sem pagar nenhum direito autoral. E com o agravante de que muitos vão se aproveitar para publicar sem o menor cuidado”, afirma o neto do autor, o também escritor Ricardo Ramos Filho, em entrevista à Folhapress. Apesar das ressalvas e de ter tentando, em vão, reverter a situação, ele se diz “totalmente favorável” a disponibilizar publicamente a obra de Graciliano a quem quiser ler”.

Uma matéria veiculada pela Deutsche Welle (DW) em português, a legislação brasileira prevê que não é mais necessário o pagamento de direitos autorais aos herdeiros de um autor a partir do ano seguinte ao septuagésimo aniversário da morte do mesmo. Mas isso não implica em ameaça à integridade da obra.

O jurista Gustavo Martins de Almeida, advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livro (SNEL) e o curador Leonardo Neto, ouvidos pela publicação, esclarecem que os direitos morais, no entanto, precisam ser resguardados. Isso significa que a obra tem de continuar sendo creditada ao autor e o seu conteúdo não poderá ser alterado. “Nenhuma modificação que possa prejudicar a obra ou atingir a reputação ou honra do autor pode ocorrer”, pontua Leonardo.

A Editora Record, que detinha a exclusividade de publicação desde 1975, vai continuar mantendo o contrato com a família até 2029, honrando a parceria de décadas com os herdeiros. Responsável por reedições das obras e coletâneas de textos do autor, a editora já vendeu mais 4,5 milhões de exemplares ao longo do tempo, o que demonstra a vitalidade comercial do escritor alagoano.

É isso que atiça o mercado editorial, que já prepara suas próprias edições dos clássicos. A Companhia das Letras, por meio do selo Penguin-Companhia, promete lançar os três principais romances: Angústia, São Bernardo e Vidas Secas ainda esse ano. Editoras especializadas em trabalhar domínio público, como a Antofágica e o Clube de Literatura Clássica, também já anunciaram projetos com foco na obra do alagoano.

Mais ousada, a Todavia anunciou na semana passada que, além das reedições dos clássicos, vai lançar, pelo selo Baião, um poema inédito do Mestre Graça intitulado Os Filhos da Coruja. Focada no público infanto-juvenil, a publicação será acompanhada por pinturas do artista visual paranaense Gustavo Magalhães. Para comandar a coleção que vai relançar os principais livros do autor, a editora escalou o professor e pesquisador Thiago Mio Salla, coordenador de projetos no Fundo Graciliano Ramos, do IEB/USP.

O portal História de Alagoas anunciou a reedição de Vida Secas. A obra será distribuída gratuitamente e o trabalho incorpora a capa, contracapa e folha de rosto da primeira edição do livro, com ilustrações de Tomás Santa Rosa, lançada pela editora José Olympio, em 1938.

Independentemente das polêmicas, a corrida das editoras em torno da reedição das obras de Graciliano Ramos deixa claro o interesse em torno do autor. Expoente da segunda fase do Modernismo, centrada no Romance Nordestino, o ficcionista foi um dos maiores nomes da chamada Geração de 30 e seu estilo inconfundível marcou leitores e serviu de farol para inúmeros escritores. A nova fase de domínio público, desde que respeitando a integridade da obra, pode ampliar ainda mais essa influência e esse grande legado.

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